Produtores de tilápia do Norte se inspiram no Oeste para desenvolver a cadeia

Novos empreendimentos podem mudar retrato da piscicultura no Norte do Paraná

Não é de hoje que a piscicultura paranaense navega em boas águas. A atividade vem crescendo a passos largos, impulsionada por um cenário de tecnologia consolidada, mudança de hábitos alimentares por parte dos consumidores e estruturação da cadeia produtiva estadual. O piscicultor Rui Yassuki Aname, de Londrina, na região Norte, acompanha de perto esse movimento, desde que iniciou seus cultivos em 1998. “Tinha o sonho de ser piscicultor, mas naquela época não tinha tecnologia para tanque-rede, não tinha reversão [sexual] por hormônio, não tinha nada”, recorda.

Apesar das limitações técnicas, a atividade era bastante remuneradora quando começou no Paraná, garante Aname. “Quando nasceu, a piscicultura pagava melhor do que criação de boi, quer dizer, pagaria, porque não tinha mercado. Era um bom negócio, mas não tinha para quem vender”, lembra.

De lá para cá, muita coisa melhorou. A produção de peixes no Paraná passou de 93,6 mil toneladas em 2016, para 112 mil toneladas em 2017 e chegando a 2018 com 129,9 mil toneladas. A tilápia é o carro-chefe da atividade, respondendo por cerca de 95% dos peixes produzidos no Estado – os 5% restantes se dividem entre outras espécies como carpa, truta e panga.

Apesar dos avanços, a atividade não se desenvolve de forma uniforme em todas as regiões do Paraná. Segundo o Departamento Economia Rural (Deral) da Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento (Seab), a região Oeste, onde estão localizados os núcleos de Toledo e Cascavel, responde por 69% da produção estadual de peixes. Distante algumas centenas de quilômetros, a região Norte, onde estão os núcleos de Londrina, Cornélio Procópio e Maringá, detêm entre 8% e 9% da produção.

No Oeste, a piscicultura encontrou um modelo promissor, que tem nas cooperativas o motor do seu desenvolvimento. O sistema de integração prospera entre os criadores cooperados, proporcionando um cenário de segurança, com garantia de compra da produção. A cooperativa Copacol, por exemplo, possui a maior estrutura para o abate de peixes da América Latina, com 40,9 milhões de peixes abatidos por ano.

No Norte, terra onde Aname realizou o sonho de ser piscicultor, a atividade não se desenvolveu na mesma velocidade. “Quando comprei a minha propriedade, em 2001, mil alevinos custavam R$ 100. Hoje, eu continuo vendendo mil alevinos pelos mesmos R$ 100”, aponta o criador, que produz 6 milhões de alevinos por ano.

Dentre os problemas identificados por Aname, alguns são de ordem técnica, como o alto custo da tecnologia, a maior parte importada, e a proibição de criar tilápia (uma espécie exótica) em tanques-rede durante vários anos (hoje esse cultivo é permitido). “Esse impedimento atrasou a piscicultura no Norte em 10 anos”, afirma. Outras dificuldades são de ordem comercial. “No Oeste, a cultura é associativista, dá certo. No Norte, é cada um por si. E se você não tem um mercado estável para vender o seu produto, não dá certo”, analisa.

O extensionista do Emater de Itambaracá (Norte), Miguel Antonucci, tem opinião semelhante, de que os principais entraves da piscicultura na região estão na ponta da comercialização. “Temos um potencial muito bom, mas faltam mercado, indústria para processar e um canal de comercialização”, aponta. “A produção não é o problema”, pontua.

Outra diferença entre a produção nas duas regiões, segundo Antonucci, é que, enquanto tanques escavados predominam no Oeste, o Norte utiliza, na sua maioria, tanques-rede, que teriam custo de produção maior. “Já começam por aí as diferenças. Nem todas as áreas [para cultivo] são próprias na região, isso porque os tanques-rede estão, em sua maioria, em reservatórios e represas”, diz. Como estas áreas pertencem à União, muitas vezes, acaba inibindo investimentos mais significativos por parte dos produtores.

Também inibe investimentos dos piscicultores do Norte a ausência de garantia de comercialização e preço remunerador. Nesse sentido seriam bem-vindas indústrias para o abate dos peixes na região. Houve iniciativas nesta direção nos municípios de Cornélio Procópio e Alvorada do Sul, onde frigoríficos para o abate de peixes com recursos públicos fo – ram instalados. Porém, apesar das obras te – rem sido entregues por volta de 2012, estas estruturas ainda não estão em atividade.

Segundo o secretário de Agricultura e Pesca de Alvorada do Sul, Valteir Aparecido Bazzoni, isso deve mudar em breve. “Estamos finalizando o abatedouro que vai dar uma boa desafogada [no processamento da produção]”, diz. Segundo ele, a estrutura deve estar operando até o início do próximo ano. “Temos um procedimento licitatório. Uma empresa comprou a gestão dele [do abate – douro]. Já tem equipamentos de refrigeração comprados, toda obra concluída. Só faltam os tanques de decantação e outros detalhes”, afirma Bazzoni.

A estrutura teria capacidade para abater seis toneladas de pescado por turno de trabalho. Com dois turnos em atividade, a expecta – tiva é o abate de 12 toneladas diárias no município. “Aqui em Alvorada do Sul, produzimos 3,3 mil toneladas de peixe por ano, 100% em tanque-rede. Se somar a produção da região vai ter muito mais peixe produzido do que a capacidade de abate”, observa Bazzoni.

De acordo com o secretário, o empreendimento irá gerar 120 empregos diretos e outros 400 indiretos. O destino da produção depende da estratégia da empresa que irá ad – ministrar o frigorífico “O plano de gestão é deles [da empresa], mas posso adiantar que deve ir para São Paulo”, afirma.

A produção de Alvorada do Sul é significativa. Segundo o técnico do Deral Edmar Gervásio, o município, que pertence ao núcleo regional de Londrina respondeu por 2% do Valor Bruto da Produção (VBP) da piscicultura em 2017, algo em torno de R$ 15 milhões.

Segundo o presidente da Associação Norte Paranaense de Aquicultores (Anpaqui), Eliesley Gorriz, a produção de Alvorada do Sul, bem como a de outros municípios da região, é direcionada para o Estado de São Paulo. A Associação, em conjunto com outras entidades da sociedade civil, buscou a redução do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas operações com o Estado vizinho, de 12% para 7%. O benefício, que ajuda o peixe paranaense a ser competitivo no mercado paulista, vale até abril de 2020, depois precisa ser renovado. “Nossa ideia é que existisse essa redução para toda cadeia, como ração, equipamentos, insumos. E não só para o peixe”, observa Gorriz.

Cooperação e Integração

A opinião do presidente da Anpaqui vai ao encontro da opinião de outras pessoas ouvidas pela reportagem. “O problema no Norte é que não temos uma cooperativa que faça a parte da integração, como na avicultura e suinocultura e como já é a piscicultura no Oeste. O pessoal [no Norte] é muito individualizado na produção e na entrega. Falta união entre os produtores”, avalia.

Essa desunião pode ser explicada, em parte, pela conjuntura comercial da atividade, como observa Antonucci, da Emater de Itambaracá. “Como é um mercado competitivo, se o piscicultor está com a produção dele sem garantia de compra, acaba aceitando um preço menor para não perder”, observa.

Para interromper esse processo, o primeiro passo seria a criação de um sistema de integração, no qual os piscicultores “pés vermelhos” pudessem entregar a sua produção com compra garantida e preço definido aos integrados. Um dos primeiros movimentos nesta direção seria a entrada em operação do frigorífico de Alvorada do Sul. “Essa empresa [do frigorífico] vai trazer novidades. Acredito que vem um modelo semelhante ao da integração. Já conversei com diversos produtores e o modelo que interessa é a integração. Você fideliza o produtor e garante a produção”, observa o secretário Bazzoni.

Futuro

Apesar dos percalços e do tamanho do desafio, o Norte do Paraná continua se desenvolvendo. Na opinião do técnico do Deral Edmar Gervásio, a atividade possui grande potencial para crescer. “Espaço no mercado existe, só precisa de fomento”, avalia.

A certeza de que a piscicultura irá se desenvolver é o motivo de o produtor Rui Aname, de Londrina, não só continuar na atividade, mas realizar novos investimentos para crescer. No momento, o piscicultor está adaptando uma granja suína para a construção de 37 tanques onde antes ficavam as baias dos animais. Nesse projeto, Aname pretende empregar o que há de mais moderno na atividade, como produção de alevinos em sistema de recirculação de água e sistema de bioflocos. “Quando estiver tudo pronto vou trazer toda minha produção de alevinos para esse sistema e deixar os tanques antigos para as matrizes e juvenis”, planeja o piscicultor, que olha para o futuro com o otimismo de quem já enfrentou situações piores.