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Frango com mais carne e menos gordura

Foco em melhoramento genético do frango, no passado, era apenas para ganho de peso, resultando em aves com carne mais gorda. Hoje, com o consumidor mais atento à saúde, pesquisadores se concentram no desenvolvimento de nova linhagem de frangos com bastante carne, porém magra

As espécies de frangos, que são vendidas, atualmente, nos mercados, são resultados de cruzamentos sucessivos ao longo de gerações, visando especialmente ao ganho de peso. A partir daí, surgiram aves com mais músculo, com destaque para o peito, coxas e sobrecoxas destes animais, que são os cortes que o consumidor brasileiro mais aprecia.

O lado negativo é que, além de ganho muscular, foram potencializados a deposição e o acúmulo de gordura, segundo mostra uma pesquisa desenvolvida na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), em Piracicaba (SP). O estudo buscou entender as razões genéticas que levam à concentração de gordura nos frangos.

“Na avicultura, existem principalmente dois tipos de criação: uma, que privilegia a produção de ovos; e outra, voltada para a geração de carne. No passado, a ênfase no melhoramento genético do frango era para ganhar peso, resultando em aves com maior peito, coxas e sobrecoxas. O lado indesejado de tal melhoramento foi a obtenção de frangos mais gordos”, relata Luiz Lehmann Coutinho, professor titular no Departamento de Zootecnia da Esalq/USP, em publicação da Agência Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Saúde em primeiro lugar

Carne com menos gordura é a preferência dos consumidores. Foto: ANPr/ SINDIAVIPAR

A pesquisa indica que os principais depósitos de gordura nestes tipos de aves estão localizados na pele, incluindo a gordura subcutânea, e dentro da cavidade do abdome (placa abdominal).

“Hoje, o consumidor está mais atento à saúde. Quer alimentos mais saudáveis. No caso das aves, isto significa frangos com carne magra e menos gordura. Já os avicultores desejam aves que comam menos, cresçam mais e com maior rapidez”, destaca Coutinho.

O professor da Esalq/USP explica que o objetivo da pesquisa foi “justamente obter um animal que se alimente com menos ração e que use melhor os nutrientes, de modo a crescer saudável e produzir mais músculos”.

Dados do mercado

O mercado potencial para a comercialização de uma nova linhagem de aves mais magras é imenso, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), considerando que o Brasil é o segundo maior produtor de carne de frango do mundo, passando de 13,5 milhões de toneladas, em 2017, atrás dos Estados Unidos, que alcançou a marca de aproximadamente 18,6 milhões de toneladas.

Em 2018, o plantel avícola brasileiro passava de 1,45 bilhão de cabeças, conforme dados preliminares do Censo Agropecuário, que vem sendo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Dados mais recentes – desta vez, da Associação Brasileira de Proteína Animal – mostram que, diariamente, são abatidos aproximadamente 16 milhões de frangos (em 2016, eram 5,86 bilhões de aves do gênero).

Esse cenário coloca o País como maior exportador global de carne de frango, de acordo com a ABPA, ao enviar 4,1 milhões de toneladas para 141 países, no ano passado, contabilizando algo em torno de US$ 6,571 bilhões em receita, resultado 9,2% menor em relação aos US$ 7,235 bilhões registrados em 2016.

Presidente da Associação, o ex-ministro da Agricultura Francisco Turra afirma que “há expectativa de que o bom fluxo obtido no segundo semestre do ano passado se mantenha em 2019”.

“Isso devido, entre outros motivos, pelas ações que o setor produtivo, liderado pela ABPA, adotará por meio do Projeto 500K, que tem como meta alcançar a média mensal de 500 mil toneladas nas exportações, somadas, de carne de frango e suína até o final de 2020”, destaca Turra, que também é membro da Academia Nacional de Agricultura da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), instituição responsável pela veiculação da revista A Lavoura, há 122 anos.

Genética

Pesquisadores da Esalq descobrem novos genes para poder selecionar aves que usem melhor os nutrientes da ração e produzam carne mais magra. Foto: Jonas de Oliveira/ANPR

Conforme o estudo da Esalq/USP, a investigação dos genes responsáveis pela deposição de gordura no frango, que foi publicada na revista BMC Genomics, equivale à busca de “agulhas em um palheiro”– no caso, os genes de interesse ou candidatos, ou seja, dentro do genoma da galinha.

O genoma completo da galinha doméstica (Gallus gallus domesticus) foi publicado em 2004 e a montagem mais recente possui aproximadamente 1,3 bilhão de bases, distribuídas em 72 cromossomos. Fazendo uma comparação, o genoma humano tem três bilhões de bases, distribuídas em 46 cromossomos.

Apoio ao estudo

O estudo publicado, além da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, também recebeu o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), tendo como primeiro autor Gabriel Costa Monteiro Moreira, cujo doutorado contou com bolsa da Fapesp.

Professor Luiz Lehmann Coutinho, coordenador do projeto temático sobre galinha doméstica. Foto: Divulgação

Também contou com a participação de pesquisadores da Unidade Suínos e Aves da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), da Iowa State University (Estados Unidos) e da Massey University (Nova Zelândia).

Coutinho revela que o material coletado para o estudo veio das amostras de sangue da população de frangos de corte, do Programa de Melhoramento Genético de Aves da Embrapa Suínos e Aves, em Concórdia (SC). A linhagem fundadora desta população vem sendo selecionada desde 1992, observando o peso corporal, a conversão de ração, o rendimento de carcaça e cortes, a viabilidade, fertilidade e eclodibilidade, além da redução da gordura abdominal.

Genes identificados

A população de frangos de corte avaliada foi desenvolvida em 2008 e contou com 1.430 aves, sendo 652 machos e 778 fêmeas, gerados a partir do cruzamento de 20 galos e 92 galinhas.

O autor do estudo, Gabriel Moreira, analisa material coletado das amostras de sangue da população de frangos de corte. Foto: Divulgação

“Em 2005, fizemos uma análise preliminar do genoma da galinha, usando a técnica de marcadores microssatélites. Naquela oportunidade, identificamos 120 marcadores, que foram usados em uma busca inicial de regiões no genoma associadas às características de interesse econômico na avicultura. Mas com o desenvolvimento acelerado da pesquisa genética e a aquisição de novos equipamentos para o nosso laboratório, por meio do apoio da Fapesp, pudemos empregar um método mais avançado de genotipagem”, conta o professor da Esalq/USP.

Ele ainda coordena o Laboratório Multiusuários Centralizado de Genômica Funcional Aplicada à Agropecuária e Agroenergia da mesma instituição de ensino superior.

Genotipagem

Coutinho explica que a genotipagem é o processo para identificar a composição genética (genótipo) de cada indivíduo, examinando sua sequência de DNA. Um dos tipos mais comuns de marcadores de variação genética são os SNPs (ou “snips”).

Do total de 1.430 aves genotipadas pela equipe da Esalq/USP, foram identificados 355 mil SNPs no meio de 1,3 bilhão de bases.

Integrando conhecimentos de genética quantitativa, estatística e bioinformática, foi feita uma busca refinada por regiões no genoma da galinha, que controlam características de interesse econômico.

“Conseguimos identificar qual é a região do genoma onde estão os genes que influenciam a deposição de gordura”, comemora o professor.

Genes da deposição de gordura

O mercado potencial para a comercialização de uma nova linhagem de aves mais magras é imenso, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). Foto: Divulgação

O resultado deste minucioso trabalho de bancada e bioinformática reduziu o universo de análise a 419 genes, entre os quais foram inicialmente selecionados 13 candidatos. Por fim, após uma busca ainda mais refinada, chegou-se a quatro genes relacionados à deposição de gordura. Dois deles já eram conhecidos da ciência; os outros dois, ainda não. Coube, portanto, à equipe de Coutinho seu descobrimento. Em setembro de 2018, a pesquisa se encontrava nessa fase.

“Agora, vamos precisar testar cada um desses genes in vitro, em células das aves, para verificar se os genes são funcionais e se, de fato, alteram o metabolismo celular de gordura. Se for o caso, usaremos as informações para identificar aves que possuam tais genes. Elas serão, então, selecionadas como matrizes no trabalho de melhoramento genético, de modo a obter uma nova linhagem de frangos magros, com menos gordura”, adianta Coutinho.

Conforme o professor, quando for obtida uma nova linhagem de frangos com bastante carne, porém magra, será hora de repassar esta linhagem aos avicultores. Ele considera este objetivo factível de ser atingido, dentro dos próximos cinco anos.

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