Em 19 de agosto de 1947, há quase 73 anos, nascia em Pelotas (RS) a aviação agrícola brasileira. A data celebra o primeiro voo desse ramo da aviação nacional, que foi criado para combater uma infestação de gafanhotos como a que hoje ameaça chegar ao sul do país vinda da Argentina.
Com o estado de emergência fitossanitária declarado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para Rio Grande do Sul e Santa Catarina, a aviação agrícola volta agora a ganhar destaque, justamente para conter essa praga.
O combate a essa nuvem de gafanhotos pode ser feito com produtos químicos ou biológicos e depende de autorização do Ministério da Agricultura. A escolha de qual produto usar depende da cultura plantada, do volume da infestação e do menor impacto ambiental possível, entre outros fatores.
Voos cedo, enquanto insetos repousam
Para esse tipo de voo, especificamente, os aviões decolam de manhã, enquanto os insetos ainda estão em repouso sobre as plantações. A pulverização dos agrotóxicos não pode ser feita próximo a áreas urbanas, onde existam pessoas circulando, nem perto de áreas de proteção ambiental.
Para evitar que os químicos sejam dispersados em locais indesejados, os voos são feitos a cerca de 8 a 10 metros acima do solo, atingindo diretamente a nuvem de insetos, que tem altura registrada de até 6 metros.
Para lançar sementes e até gerar chuvas
Com predominância de voos rasantes, a aviação agrícola vai além da pulverização de agrotóxicos para o combate a pragas, função pela qual ficou estigmatizada.
Ela também é responsável por espalhar fertilizantes, lançar sementes no solo, povoar rios (com lançamento de alevinos), combater incêndios e até para gerar chuvas, com o lançamento de produtos que aglutinam a umidade do ar e criam as nuvens artificiais.
Quem fiscaliza o setor
Para exercer essa atividade, diversos entes públicos monitoram as ações realizadas por pilotos e empresas do setor. Além da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), o segmento também é monitorado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, por envolver o uso de agrotóxicos, e pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), já que há risco ambiental.
As secretarias de agricultura estaduais e até mesmo o Ministério Público também atuam nessa fiscalização, de maneira direta ou indireta.
Estado com maior frota é MT
Segundo dados elaborados pelo engenheiro agrônomo Eduardo Cordeiro de Araújo e divulgados pelo Sindag, a frota aeroagrícola total do país no começo de 2020 era de 2.280 aeronaves, sendo 2.265 aviões e 15 helicópteros.
Desse total, 1.421 aeronaves (62%) pertencem a 267 empresas que prestam serviços para produtores rurais, e as demais 835 aeronaves (37%) pertencem a cerca de 650 operadores privados. Ainda existem 24 aeronaves pertencentes ao poder público, além de protótipos e aeronaves de instrução.
O Estado com o maior número de aeronaves agrícolas é o Mato Grosso (524), seguido por Rio Grande do Sul (426) e São Paulo (339, incluindo todos os helicópteros). Enquanto isso Amapá e Sergipe têm apenas um.
Com uma idade média de 23 anos, a frota aeroagrícola do Brasil cresceu cerca de 57% entre 2008 e o início de 2020, passando de 1.447 aviões para 2.280 aeronaves no período.
Perto do solo e sem piloto automático
Os aviões agrícolas possuem uma maneira de pilotar que atende a situações que nenhum outro costuma ter de passar. Essas aeronaves voam a altitudes muito baixas, passando a cerca de três metros de altura em relação às plantações em diversas situações. Em caso de erro, o piloto tem menos chances de corrigir o problema antes de uma eventual queda.
Para Juliana Torchetti, piloto agrícola no Brasil e nos Estados Unidos, é preciso atenção a obstáculos.
“Quando voei na aviação comercial, me lembro de ter participado de alguns treinamentos exclusivos para procedimentos de decolagem e aproximação em áreas com morros e obstáculos. Na aviação agrícola, os obstáculos estarão presentes não só nessas fases [pouso e decolagem], mas também durante o voo em si. Por isso, redobramos a atenção para evitarmos alguma colisão com fios, torres, antenas, árvores etc.”, disse Juliana, que também já foi instrutora e copiloto de aviões de grande porte.
Para ela, que entrou na aviação agrícola em 2013, esse tipo de atividade depende muito mais da perícia do piloto, já que não existem sistemas que automatizam a navegação aérea.
“Não obstante termos muita tecnologia embarcada nas aeronaves agrícolas, como dGPS [GPS diferencial, mais preciso que os modelos normais], fluxômetros e, por vezes, instrumentos digitais, o voo é todo manual [não há piloto automático]. É o que costumamos chamar de “voar na mão””, disse.
Grande precisão para uso de agrotóxicos
Para evitar que os agrotóxicos utilizados pela aviação agrícola errem o alvo ou sejam desperdiçados, os aviões contam com diversas tecnologias. Saber a posição exata do avião, com precisão de poucos metros, é de grande importância, pois permite que a pulverização seja interrompida antes de atingir locais onde ela não é permitida, como a proximidade de casas e lagos.
Para suprir essa demanda específica, os aviões agrícolas podem voar com o chamado GPS Diferencial, que é mais preciso que os modelos encontrados na maioria das situações, como em carros.
O uso desse sistema em conjunto com o acionamento automático das válvulas de pulverização melhora a precisão da atividade. Em diversas situações, basta o piloto sobrevoar a área, e os equipamentos decidem o momento certo de pulverizar o local, diminuindo a chance de erros.
267 acidentes em 10 anos
Segundo dados do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), órgão ligado à Aeronáutica, entre 2010 e meados de junho de 2020, ocorreram 267 acidentes relacionados diretamente à operação da aviação agrícola no Brasil, resultando em 57 mortes no período.
A maioria dos acidentes está relacionada à perda de controle (60 ocorrências), falha do motor (42 ocorrências) e colisão com obstáculo durante decolagem e pouso (34 ocorrências).
Em 2019, a aviação agrícola respondeu por 20,5% dos acidentes aéreos, ficando atrás dos segmentos das aviações privada e experimental, que responderam por 37% e 22,5% dos acidentes no período, respectivamente.
Segundo Thiago Magalhães, presidente do Sindag (Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola), a maioria das ocorrências de perdas de controle em voo se deve a erros de julgamento dos pilotos, que acabam não seguindo à risca os procedimentos estabelecidos, ocasionando os acidentes.
As colisões durante o pouso e a decolagem representam uma pequena fração relacionada a toda a atividade realizada no período. São situações onde a pista está escorregadia ou em que o avião está muito carregado e não consegue decolar, por exemplo.