A seca é um problema de ampla abrangência territorial e tem longo histórico de severos danos causados à produção de soja do país
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) acaba de considerar como convencional a soja desenvolvida pela Embrapa para a tolerância à seca, a partir da técnica de edição gênica CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats, ou seja, Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas)
“Ao considerar essa soja como não transgênica, os processos de pesquisa são menos burocráticos e, portanto, conseguimos reduzir o prazo e os custos para que as cultivares tolerantes à seca cheguem ao mercado, com biossegurança assegurada”, comemoram Alexandre Nepomuceno, chefe-geral da Embrapa Soja, e a pesquisadora Liliane Henning.
“Além disso, não haverá a necessidade de conduzirmos o processo complexo de desregulamentação comercial de um produto transgênico, que é demorado e oneroso”, destacam.
A decisão da CTNBio foi baseada na normativa que regula o uso de técnicas de edição genética no Brasil, a Resolução Normativa nº 16 (RN16), a partir de solicitação da Embrapa Soja (Centro Nacional de Pesquisa de Soja), sediada em Londrina (PR). Os pesquisadores da Embrapa Soja utilizaram o conhecimento da genética da soja envolvida nas respostas da soja para se defender contra à seca para desenvolver a planta editada.
Processo
Primeiramente, os pesquisadores identificaram no Banco Ativo de Germoplasma (BAG), que é uma coleção de sementes com mais de 65 mil acessos de soja (tipos diferentes do grão), quais eram as fontes de tolerância à seca.
“Essas fontes de tolerância não têm necessariamente as características de alta produtividade e sanidade das cultivares comerciais. Por isso, a estratégia da equipe de pesquisa foi utilizar uma cultivar altamente produtiva para alterar em seu DNA – via técnica de edição gênica – essa característica que visa reduzir as perdas de produtividade quando da ocorrência de eventos de seca”, defende Nepomuceno.
Nas casas de vegetação da Embrapa Soja, que são ambientes controlados, a planta editada se mostrou mais tolerante à seca que as outras plantas padrão com que foi comparada. Porém, ainda há necessidade de realizar testes a campo. A partir dessa aprovação da CTNBio, a Embrapa tem a possibilidade para validar a planta editada, em diferentes regiões produtoras de soja.
“Com esta decisão da CTNBio, teremos condições como empresa pública, de testar essa tecnologia a campo, e caso obtenhamos sucesso, reduzir as perdas por falta de água no campo”, explica Nepomuceno.
Ao se confirmar que a planta editada apresenta as características de tolerância à seca, a soja seguirá as mesmas etapas de desenvolvimento de uma cultivar convencional.
“Essa soja irá passar pelos testes que avaliam seu valor quanto ao cultivo e uso, assim como seu comportamento nos diferentes ambientes de produção. Esse processo leva, em média, 3 anos”, explica Henning.
Seca
A seca é um problema complexo, de ampla abrangência territorial e tem longo histórico de severos danos causados à sojicultura nacional.
Levantamento da Embrapa Soja mostra que, na safra 2021/22, os estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul perderam mais de R$70 bilhões em grãos de soja não colhidos, devido à maior seca das últimas décadas.
“A tecnologia que estamos desenvolvendo visa ajudar a mitigar estas perdas relacionadas com períodos de veranico”, explica Nepomuceno.
Edição gênica na Embrapa Soja
Técnicas para editar e modificar o DNA das espécies são utilizadas desde a década de 1980, porém uma das tecnologias mais promissoras na área de edição de genomas é denominada CRISPR.
Essa técnica possibilita a identificação de genes de interesse no DNA da espécie em estudo e sua modificação, de acordo com as necessidades da pesquisa. A metodologia CRISPR pode ser considerada revolucionária por permitir a manipulação de genes com maior precisão, rapidez e menor custo.
A Embrapa Soja vem testando várias metodologias de edição gênica, desde 2015. Em setembro de 2022, a CTNBio aprovou a primeira edição no genoma da soja, conduzida pela Embrapa com a técnica CRISPR para desativar alguns fatores antinutricionais (lectina).
“A lectina quando presente em rações de aves e suínos dificulta a absorção de nutrientes, por isso a importância de sua inativação”, explica a pesquisadora Liliane Henning.
“Na indústria de rações, esta inativação é feita por calor que gera custos ao setor. Com a soja que desenvolvemos, a proposta é reduzir estes custos e aumentar a eficiência de ganho de peso em animais que utilizam estas rações”, ressalta. Tanto na soja mais tolerante à seca, quanto na soja com fatores antinutricionais desativados, a Embrapa tem utilizado a técnica de CRISPR-Cas9, após obtenção de licença junto à empresa Corteva.
Harmonização na legislação mundial
A decisão da CTNBio, respaldada na legislação brasileira (RN16), está alinhada com o que vem ocorrendo na maioria dos países que desenvolvem tecnologias para a agricultura, como os EUA, Canadá, Austrália, Japão, China e Argentina.
“O entendimento é que a biossegurança é mantida, quando as alterações no DNA feitas com técnicas de edição gênica reproduzem mutações que poderiam ocorrer naturalmente ou então serem obtidas por técnicas de melhoramento genético tradicional”, relata Nepomuceno. Por isso, esses organismos com genoma editado não têm sido considerados organismos transgênicos mas, sim, convencionais”, reforça.
Nepomuceno pontua que a União Europeia (UE), que era a única região do mundo que ainda considerava que qualquer técnica de alteração genética deveria ser considerada como transgenia, alterou sua posição em fevereiro de 2023.
“A Europa era o último grande player mundial a considerar transgênicos esses organismos com genoma editado. Essa decisão da UE é um grande passo para a harmonização da legislação mundial no que diz respeito ao uso de técnicas de biotecnologia principalmente na agricultura”, ressalta Nepomuceno.
Segundo ele, os países que adotaram inicialmente este procedimento já estão observando um aumento na formatação de pequenas e médias empresas trabalhando nesta área de edição gênica.
“Está ocorrendo uma democratização no uso destas técnicas, permitindo mais opções tecnológicas ao setor produtivo. Se mais empresas participam desse mercado com diferentes tecnologias, isso favorece que custos reduzam no médio e longo prazo”, diz.
A Embrapa já havia desenvolvido plantas tolerantes à seca via transgenia, utilizando genes de outras plantas em soja.
“Infelizmente, a polêmica em cima desta tecnologia tão importante tornou o custo para uma liberação comercial proibitivo para empresas públicas como a Embrapa, ou nossas universidades. Agora, na era da edição gênica, temos uma grande chance de trazer tecnologias importantes para a agricultura”, explicam Nepomuceno e Henning.