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Plantas daninhas são ‘promovidas’ e viram opção para alimentação saudável

Você chega no restaurante, pede uma feijoada e na hora de saborear a clássica couve na manteiga, encontra no seu lugar um refogado de caruru e picão branco. A reação mais óbvia seria perguntar: o que é esse mato no meu prato? Essas duas espécies consideradas ervas-daninhas são exemplos de um universo aberto nos últimos anos, o das chamadas Plantas Alimentícias Não Convencionais (Panc). Até então consideradas “mato”, essas plantas passaram a despertar curiosidade do público consumidor e a possibilidade de um novo mercado para os produtores rurais.

De acordo com estimativas dos pesquisadores, no mundo existem mais de 40 mil Panc.  No Brasil, calcula-se que somem mais de 10 mil tipos. Por outro lado, estudos apontam que, na média, mais da metade do prato do brasileiro é composto por apenas 10 ingredientes, como arroz, feijão, trigo, carne bovina, de aves e suína. Ou seja, as plantas comestíveis ainda ficam fora da alimentação da maior parte da população.

Em Curitiba e Região Metropolitana, a demanda por esses produtos se intensificou a partir de 2016, conforme a percepção de Marcelo Silvério, que atua há 12 anos na área, inclusive com a experiência de fornecedor à feiras orgânicas na capital. “De repente surgiu uma demanda por plantas diferentes. As plantas ornamentais e outras menos conhecidas têm propriedades maravilhosas, alimentares e medicinais”, revela.

Desde aquela época, Silvério se tornou um dos maiores entusiastas na propagação desse conhecimento. “Hoje trabalho mais na multiplicação dessa cultura alimentar, pois tem muita informação. Diferentemente de há quatro anos, quando não tinha quase nada”, lembra. “Muitos produtores já oferecem Panc nas feiras de orgânicos. Mais que isso, já temos um ciclo de produção e consumo, com produtores fazendo entregas”, completa.

Novo conceito

Em um terreno na área urbana de Curitiba, Deise Campos, formada em um curso do Senar do Paraná na área de cultivo protegido, mantém uma pequena estufa. Nela, produz algumas dessas plantas que não se acham em qualquer feira. A pequena produtora também mantém contato com uma rede de olericultores envolvidos com Panc para aumentar o leque de opções.

Segundo Deise, em diversas localidades na região já é possível encontrar Panc diretamente com esses produtores, o que permite promover uma interação entre a produção urbana, agricultores do cinturão verde da capital paranaense e os consumidores. “Esses alimentos biodiversos não são apenas importantes por estarem saindo na mídia como uma inovação de mercado. Os estudos e práticas inclusivas que envolvem essas espécies podem virar uma nova chave na construção de uma visão que integre a produção ao consumo, saúde e economia”, prevê.

Tendência

As Panc têm despertado a atenção de pesquisadores da área de agricultura. Até mesmo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) mantém uma coleção com 80 espécies espalhadas em dois hectares e 19 talhões, em Brasília, no Distrito Federal, trabalho comandado pelo pesquisador Nuno Madeira. A coleção começou com mudas da própria casa de Nuno e foi crescendo.

“A ideia não é milhares de hectares, mas disseminar essa cultura do quintal produtivo. Hoje, temos dezenas de milhares de pessoas interessadas nessas espécies, que são muito adaptadas, fáceis de plantar”, explica Madeira.

Além disso, o pesquisador incentiva que produtores de outras hortaliças incorporem essas espécies aos seus arranjos produtivos para diversificar as opções oferecidas aos consumidores. Para isso, conduz um trabalho de divulgação das Panc junto aos agricultores. “É um trabalho que precisa de muito esforço ainda. Hoje, não temos um ‘varejão Panc’, uma feira com oferta recorrente. Tanto que se um chef quiser comprar 10 quilos de Beldroega por semana, ele não encontra”, falou.

As plantas não convencionais têm gerado pesquisas acadêmicas tanto nas graduações como nas pós-graduações. Ana Cláudia Rauber, que estudou Agroecologia em Desenvolvimento Rural Sustentável na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), em Laranjeiras do Sul, realizou uma pesquisa de mestrado que envolveu 30 famílias para identificar as espécies disponíveis na região. A conclusão foi de que há mais de 200 plantas diferentes e, destas, 70 são Panc.

“A pesquisa demonstrou que não são plantas apenas conhecidas, mas efetivamente presentes nas dietas dessas famílias. O meu foco de pesquisa foi o conhecimento etnobotânico”, explica.

Deise Campos, de Curitiba, além de produzir Panc em sua estufa urbana, também atua com as plantas na área de paisagismo. Sócia da empresa Gira Lua Jardins Criativos, Deise vem percebendo, há alguns anos, a necessidade das pessoas de se aproximarem dos alimentos. Por isso, resolveu incorporar as Panc no paisagismo das casas, condomínios e prédios.

“A gente entrando com essas plantas nas casas e ambientes urbanos vê necessidades muito parecidas, no sentido de ter variedades alimentícias para manter o contato com o alimento, de onde ele vem”, reflete.

Valor gastronômico

Nos programas de gastronomia na televisão, nas feiras de produtos diferenciados e nos restaurantes famosos, as Panc têm aparecido como protagonista. Em Curitiba, a chef Manu Buffara, proprietária do Restaurante Manu (um dos 50 melhores da América Latina, em 2019), inclui algumas dessas plantas em seu menu.

“Não são plantas que você encontra muito em feiras. São alimentos que acabaram sendo deixados de lado, mas que faziam parte da alimentação dos nossos antepassados”, lembra.

Como acompanha de perto esse movimento para encontrar novas possibilidades para incluir em seus pratos, a chef conta que nas feiras já é possível encontrar espécies como o rabanete negro, variedades diferentes de quiabos, a folha da capuchinha e também o grão. “Existe hoje essa procura e as possibilidades são inúmeras. Até o simples trevo, que achamos facilmente nos nossos jardins, nas nossas hortas, é uma planta comestível”, revela. “Normalmente quando estou caminhando nas hortas, no meu jardim, encontro muitas dessas plantas. Precisamos disseminar esse conhecimento e fazer as pessoas voltarem a se conectar pela terra”, reflete Manu.

De acordo com o pesquisador da Embrapa, Nuno Madeira, há vários materiais de apoio disponíveis para quem se interessar pelas Panc. Ele pondera que é necessário tomar cuidado e se certificar de que as plantas são realmente comestíveis. A própria Embrapa tem vários folders e cartilhas sobre o tema.

Saiba mais

Atualmente, o Senar-PR  não conta com cursos específicos na área, mas disponibiliza várias capacitações que podem auxiliar o produtor rural a implantar e gerenciar novos cultivos. Vanessa Reinhart, técnica do Departamento Técnico (Detec) da entidade, recomenda capacitações que vão desde a conservação de solo, cultivo protegido, planejamento da produção, até os cursos sobre a viabilidade e gestão financeira do negócio, essenciais em qualquer novo projeto.

“Vemos que as Panc possuem um grande potencial de diversificação da produção, principalmente para a agricultura familiar. Além disso, é uma possibilidade de agregar valor, impulsionada pelos consumidores que vêm cada vez mais procurando uma alimentação saudável, com preferência aos produtos regionais”, analisa.

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