Startup, DNA, conectividade, nanotecnologia e 5G. Você já deve ter ouvido falar nessas palavras. Elas estão na boca do povo, na cidade ou no campo, e dizem muito sobre o futuro do agronegócio.
O cenário dos anos 2020 é muito diferente do que se imaginava quando o Globo Rural entrou no ar pela primeira vez há 40 anos, em janeiro de 1980. Mudança que ocorreu muito por conta da tecnologia.
O agrônomo Eliseu Alves é um dos fundadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Ele, que também foi presidente da instituição, recorda que a tecnologia não era um assunto comum no campo na década de 1970, quando a Embrapa foi criada.
“Teve uma fase em que o povo não acreditava em tecnologia. Quando eu falo povo, falo também dos políticos. Então, a primeira fase foi convencer a sociedade brasileira de que era um grande negócio investir em tecnologia”, afirma Alves.
A tecnologia na agricultura significa fazendas conectadas, lavouras, equipamentos e animais que geram muita informação o tempo todo. Informação que precisa estar disponível em tempo real para que o produtor tome a melhor decisão.
Um exemplo está no interior do estado de São Paulo, na região de Ribeirão Preto, em uma das maiores operações de cana do mundo e, agora, também, uma das mais digitais. Uma unidade que aponta como deve ser o futuro da atividade.
Em 1980, toda a colheita de cana era manual, feita por boias-frias. Depois de 4 décadas, as máquinas cortam 92% da cana, no Brasil, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Hoje, a produção de cana-de-açúcar tem cara de indústria, inclusive com uma sala de comando, que lembra os centros de controle de trânsito das grandes cidades.
No local, são monitorados mais de 130 mil hectares 24 horas por dia, um verdadeiro Big Brother do campo. Os funcionários analisam o trabalho das máquinas e a previsão do tempo, por exemplo. O objetivo é saber se tudo está sendo feito nos conformes.
Para garantir a integração entre a central de controle e as máquinas, a empresa precisou investir R$ 60 milhões em uma rede de internet privada 4G, que cobre todos os cantos da fazenda.
O recurso foi possível por causa de uma linha de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) para estimular a agricultura digital.
“A gente lia o jornal de ontem, agora a gente passa a ver online, tempo real. E, com isso, a gente acaba performando melhor”, explica Luis Gustavo Teixeira, gerente agrícola da empresa, a São Martinho.
Essa gestão afiada fez a média de colheita por dia subir de 948 toneladas por máquina para mil toneladas nos primeiro 4 meses de fazenda conectada.
Um avanço que se soma ao conquistado em 4 décadas no setor. Com tecnologia, seleção genética, manejo de solo, a produtividade da cana cresceu 30% desde 1980, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Leite monitorado
E os ganhos com a tecnologia estão em todos os setores do agro. No caso da pecuária leiteira, a mecanização está sendo o passo para o futuro da atividade, como a substituição do ordenhador por um robô.
Há 40 anos, a produção nacional era de cerca de 11 bilhões de litros de leite por ano. Atualmente, o número é três vezes maior: perto de 33 bilhões, e com um rebanho praticamente igual.
Em Castro, no Paraná, o Globo Rural visitou uma fazenda que há 7 anos trouxe o que existe de mais moderno para a atividade.
A primeira reação à nova tecnologia foi um susto, mas, depois, com treinamento dos funcionários, a produção foi aumentando sem a necessidade de novas contratações.
“Hoje estou com 6 funcionários trabalhando na propriedade. Se eu tivesse a ordenha tradicional, com certeza, estaria com dois a três funcionários a mais”, explica o pecuarista Armando Rabbers.
No novo sistema, os animais ficam confinados. Se a temperatura subir, ventiladores ligam automaticamente. Tem também leves jatos de água para refrescar os animais.
Para retirar o esterco, rodos gigantes automáticos fazem o trabalho. Os dejetos coletados viram adubo para a produção de silagem.
E comida não falta: cai automaticamente, de acordo com a informação enviada por um colar no pescoço de cada vaca, que é a chave de todo o sistema.
O equipamento monitora os dados da vaca para saber se é o momento de ordenhá-la ou não. Por exemplo, se o sistema mostrar que ela tirou leite há menos de 4 horas, ela não consegue acessar a sala de ordenha.
Caso ela tenha sido ordenhada há mais tempo, a vaca já tem liberado o acesso. Basta o animal empurrar um portãozinho e seguir para a retirada do leite.
Dois robôs ordenham 140 vacas e são apenas 7 minutos entre o animal entrar e sair da ordenhadeira. O processo é todo higienizado. Conforme o leite vai saindo, o sistema analisa a qualidade.
O colar também ajuda em outro dado: saber quando a vaca pode ter entrado no cio. O equipamento emite uma luz vermelha, para que um técnico analise o animal.
“O animal tem um comportamento diferente quando entra no cio ela fica mais agitada, a cabeça mais levantada, ela pula nos outros animais. A pessoa tinha que ficar 2 horas observando o comportamento do animais pra identificar o cio”, afirma Rabbers.
O boi com carne macia
Há 40 anos a produção de carne no país era de pouco mais de 3 milhões de toneladas. Hoje, é 3 vezes mais, quase 10 milhões de toneladas.
Para garantir um avanço ainda maior na pecuária de corte, a genética e o monitoramento de dados têm papel fundamental no futuro da atividade.
No centro de desempenho animal da Embrapa Cerrados, todos os dados do gado são avaliados pelos pesquisadores. Cada cocho é uma balança que permite saber exatamente a quantidade de ração que foi colocada.
Quando o animal chega para se alimentar, ele é imediatamente identificado por um brinco que foi colocado na orelha. As informações de cada animal geram dados para mostrar a eficiência alimentar. Um touro que come menos para chegar ao peso desejado, por exemplo, além das características físicas.
Já para avaliar a genética, são tirados alguns pelos do animal, do bulbo deles é extraído o DNA. Com isso, os pesquisadores buscam as características de interesse dos criadores, como a maciez, que já foi identificada entre as informações contidas na genética do animal.
Cada raça de gado tem seus próprios marcadores de maciez no DNA. Com a eficiência alimentar e maciez confirmada pela genética, a pecuária brasileira pode ganhar mais mercado.
Na palma da mão
Já no celular, o agricultor já tem acesso a centenas de aplicativos. Boa parte dos que auxiliam o produtor rural é feita pela Embrapa Informática Agropecuária.
Na unidade, trabalham agrônomos, veterinários, cientistas da computação, matemáticos que pensam em softwares que melhorem a produção agropecuária.
Esses profissionais constroem ferramentas como o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), com mais de 25 mil mapas de clima, solo e dizem qual a janela ideal de plantio de cada cultura, em todo o país. É um item fundamental para a política de crédito agrícola e seguro rural.
Esses dados agora também estão em um aplicativo para o agricultor: o Plantio Certo, que ajuda a localizar o melhor período de cultivo.
O uso dos celulares na atividade ajuda também no acesso à assistência técnica rural. Em goiás, o produtor tem aplicativo que permite contato direto com profissionais da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) do estado.
Se o agropecuarista vê algum problema no campo, ele utiliza o aplicativo para se comunicar com um técnico da Emater. É possível também enviar fotos para que o profissional consiga avaliar o problema.
Caso não seja possível resolver à distância, o técnico vai pessoalmente à propriedade. Esse aplicativo economizou tempo e está otimizando os serviços prestados pela empresa de assistência técnica.
Tecnologia que passa de geração
A tecnologia, muitas vezes, chega às fazendas através dos filhos, dos netos dos agricultores. Essas novas gerações nasceram convivendo com as novidades tecnológicas.
Até mesmo para quem foi pioneiro, o futuro traz coisas novas. Há 40 anos, o agricultor Franke Dijkstra, de 78 anos, apostou no plantio direto, um sistema em que a palhada da lavoura anterior fica no solo: é uma proteção que evita erosão e melhora a vida no solo.
Na época, Dijkstra nem imaginava, mas criou um manejo que permite colher e plantar ao mesmo tempo e ter até três safras por ano.
“Quando eu joguei o programa inteiro (de plantio direto) para toda a lavoura, acharam que eu era louco”, recorda o agricultor.
Com essa e outras tecnologias, ao longo de 4 décadas, a produção de grãos aumentou de 50 milhões para 240 milhões de toneladas, e a produtividade triplicou.
Hoje, são o filho e o neto dele, os dois agrônomos, que tocam a propriedade de 1.800 hectares, no Paraná.
“Para definir o plantio, usamos mapas de colheita, mapas de imagens de satélite, fazemos uma integração de todos esses mapas e tentamos definir onde vale mais a pena investir”, afirma Franke Dijkstra Neto.
Ao lado dessa precisão, estão técnicas conservacionistas, como Manejo Integrado de Pragas (MIP) e uso de inimigos naturais pra combater pragas e doenças.
“Uma agricultura mais equilibrada, o ambiente vai exigir isso, o consumidor vai exigir e é o que o produtor também quer”, diz Richard Dijkstra.
Filho e neto já estão com o pé no futuro, assim como Franke estava há 40 anos.
O trator que anda sozinho
As máquinas avançaram tanto em tamanho quanto em inteligência e uma equipe brasileira participa do projeto de um trator sem cabine, que não precisa de operador. Esse conceito está em testes nos Estados Unidos e aponta uma direção para a indústria.
“Eu imagino que nós estamos a 5 anos de conseguir uma máquina 100% autônoma, talvez até menos”, afirma Silvio Campos, diretor de marketing e produtos da Case, empresa responsável pelo projeto.
“Vamos imaginar o seguinte, ela (máquina) acorda de manhã, vai para o campo, trabalha e, no final do dia, volta. Claro que sempre com a supervisão através de uma conexão você recebendo dados através de um celular ou de um tablet e você tomando as ações que sejam necessárias também”, explica.
Menos agrotóxicos
A integração de dados, seja por tratores ou sensores, é fundamental para o economizar e ter um uso consciente dos insumos, como os agrotóxicos.
Na fazenda do produtor de abacates Naohito Tsuge, em Minas Gerais, um tablete registra todas as operações da área. No controle de pragas e doenças, o aplicativo mostra onde a concentração está acima do normal e pode prejudicar a lavoura.
Assim é possível atuar pontualmente. Por exemplo, a tecnologia reduziu em 15% o uso de agrotóxicos na produção. Além disso, o tablet passa informações sobre irrigação, clima. Tudo entra no pacote de rastreamento do abacate.
“Realmente essa tecnologia da informação vai mudar muito a forma de como nós trabalhamos a agricultura. Eu acredito que nós vamos ficar menos vulnerável a tantas variáveis que a gente tem hoje”, afirma Paulo Tsuge, filho do agricultor.
O uso de drones, aqueles pequenos aviões não tripulados, não é uma grande novidade no campo. Mas um empresa de Mato Grosso quer colocar a utilização deste equipamento em um outro nível e, assim, também reduzir o uso de pesticidas.
O empresário do setor Gabriel Klabin testa uma tecnologia que veio de Israel e que era utilizada pelo exército de lá.
A câmera do drone tem um sensor hiperespectral: quando a luz bate em uma lavoura, parte dela é refletida em muitos canais de luz, que são os chamados espectros.
É assim que nossos olhos recebem informação para enxergar. Uma câmera com sensor avançado vê muitos canais, até os invisíveis pro ser humano.
Cada alteração no campo reflete de um jeito único. Os agrônomos, nessa fase de testes, checam tudo na lavoura. A promessa é de um manejo muito preciso e, assim, menos, agrotóxicos.
Ela está nos celulares, nos pneus de carros a base de carbono, no queijo, no detergente. É praticamente invisível, mas muita gente está de olho nela: a nanotecnologia.
A nanotecnologia é o estudo de materiais numa escala nanométrica. Para entender o que é isso, 1 cm é o metro dividido em 100. Um milímetro, em mil. um nanômetro é o metro dividido em 1 bilhão.
Para enxergar partículas tão pequenas são necessários microscópios capazes de ampliar em pelo menos 100 mil vezes. E esses microscópios geram imagens incríveis.
O Globo Rural foi conhecer um laboratório de nanotecnologia voltada para o agronegócio. Lá, os pesquisadores desenvolveram uma “nanoemulsão” à base de cera de carnaúba.
Essa “nanocera” serve para revestir frutas e verduras produzidas no campo, garantindo mais tempo de vida para esses alimentos.
O produto começou a ser testado no dia-a-dia do produtor. Pode reduzir a perda de peso na prateleira e também o desperdício, uma das principais preocupação da organização das nações unidas para alimentação e agricultura (FAO).
Outro uso da nanotecnologia é nos curativos de animais. Uma fibra minúscula é capaz de preencher ferimentos em toda a sua profundidade, melhorando a cicatrização e evitando infecções.
Além disso, a utilização de nanopartículas de cálcio junto com uma impressora 3D leva a resultados impressionantes, como a impressão de uma vértebra.
A ideia é que, uma vez implantada, a prótese estimule a formação de osso ao redor dela, no mesmo formato. A vértebra de plástico seria, aos poucos, absorvida pelo organismo.
Segundo os pesquisadores, a tecnologia poderia evitar o sacrifício de animais, como os cavalos e touros de elite.
O “minissatélite” de monitoramento
Um pequeno satélite, do tamanho de uma caixa de sapato, com 12 kg e a 500 km da terra. Esse é o Vcube, um satélite desenvolvido no Brasil.
“O Vcube tem uma câmera de alta resolução, que está otimizada para aplicações agrícolas e de proteção ambiental. Vai ter também um sistema de coleta de dados voltada para internet das coisas”, afirma João Paulo Campos, presidente da empresa responsável pela tecnologia.
No espaço, o minissatélite vai captar imagens para monitoramento das lavouras e, também, para checar desmatamentos e queimadas.
A expectativa é lançar o Vcube ainda em 2020 este ano. E não apenas um, mas uma constelação de 10 minissatélites girando ao redor da terra.
A tecnologia não tem volta, ela vai trazer mais eficiência, mais qualidade e produtividade, mas será que essas novidades estarão disponíveis para todos os produtores?
Entre 2006 e 2017, o número de produtores rurais com internet no brasil aumentou quase vinte vezes, de 75 mil para 1,4 milhão, de acordo com o Censo Agropecuário de 2017.
O sinal se espalhou país adentro. Só que ele ainda deixa de fora, sem conexão, 71,8% das propriedades rurais.
O especialista em internet Fabrício Lira destaca que o alto custo da infraestrutura de telecomunicação acaba afastando as operadoras do campo.
“Os modelos de negócio hoje das operadoras se baseiam no acesso pessoal. Essa é a forma que as operadoras obtêm receita. E a gente sabe que nas áreas rurais e remotas a densidade de usuários desse tipo é muito baixa”, explica.
A falta de internet prejudica produtores em situações simples do dia a dia, como emissão de nota fiscal.
Mais conexão
Para aumentar a conexão no campo de maneira simples e econômica, o instituto nacional de telecomunicações (Inatel), em minas gerais, trabalha em um modelo novo de internet de última geração (5G) para áreas remotas.
A ideia é utilizar os espaços vazios na transmissão dos sinais de TV aberta para oferecer internet.
É um modelo que precisa de regulamentação, mas com infraestrutura que já existe, a internet ficaria mais barata e viável.
Empreendedores digitais
A importância econômica do agronegócio trouxe gente de todos os ramos para empreender. No Brasil, as AgTechs, as startups do setor não param de crescer.
Startup, em inglês, é o termo para aquilo que está começando. Virou um sinônimo para empresas da era digital. Um levantamento de 2019 identificou 1.125 startups no país, só no setor do agro.
Elas unem profissionais tipicamente urbanos, engenheiros de software, cientistas da computação com a experiência do campo.
São Paulo, Campinas, Ribeirão Preto, Piracicaba são alguns dos polos de startups do agro no brasil. nesse prédio, várias jovens empresas buscam um lugar ao sol, com suporte e financiamento de gigantes.
Um caminho de muitos outros jovens, com os que participam das maratonas digitais. no caso, o globo rural conheceu uma: a Vacathon.
Ela ocorre há três anos na Embrapa Gado de Leite, em Minas Gerais. Os jovens acampam e discutem projetos para melhorar a produção. Em 2019, participaram 110 universitários de 9 estados diferentes.
As visitas de campo ajudam a abrir a cabeça, conhecer os desafios da fazenda. e, então, em grupos trabalham em propostas pra cadeia do leite.
Os vencedores foram jovens de São Paulo que não sabiam muito o que era mastite, uma infecção que ataca as tetas das vacas, mas sabiam muito tecnologia. Uma vitória que pode garantir uma nova startup no mercado.
“A nossa geração aprende para depois aplicar. Eles (jovens) aplicam aprendendo e é isso que nós precisamos fazer junto com eles porque o mundo vai ser cada vez mais deles, mas com conhecimento nosso (de campo)”, explica Paulo do Carmo Martins, pesquisador-chefe da Embrapa Gado de Leite.