Muita coisa mudou na concessão de crédito, começando pelas instituições que fornecem o benefício; confira como fica o novo cenário
Dados do Banco Central sobre o crédito de R$38,9 bilhões aplicados no primeiro bimestre pós-anúncio do Plano-Safra, confirmam transformações importantes:
1 – Institucionais
Os bancos estatais diminuem sua participação enquanto os bancos do sistema cooperativista e demais do setor privado aumentam. Enquanto os bancos estatais (que já chegaram a representar mais de 70% do total crédito rural) diminuíram os seus empréstimos em 14,2%, os bancos cooperativistas avançaram 14,7%, alcançando R$7 bilhões, o que corresponde a 18% do total do crédito aplicado.
Os outros bancos privados emprestaram 14,8% a mais. Em resumo, a oferta diversificou, e para diminuir o oligopólio falta o acesso dos bancos privados aos subsídios nas operações de crédito.
2 – Diminuição dos recursos para subsidiar as taxas de juros
A redução no volume de recursos destinados a subsidiar o crédito rural é resultante das reincidentes renegociações e perdão de dívidas, bem como da fixação dos limites estabelecidos na Regra de Ouro prevista na Emenda Constitucional do Teto de Gastos.
Referido limite que o Orçamento da União destina a subsidiar a taxa de juros é de R$9,8 bilhões, aproximadamente. As reincidentes renegociações de dívidas no âmbito do crédito rural, além dos compromissos dos financiamentos de longo prazo, reduziram a disponibilidade líquida anual para pouco mais de R$2 bilhões.
Uma segunda e importante fonte de recursos para subsídios está no Orçamento das Operações Oficiais de Crédito, que conta atualmente com R$1,2 bilhão, reservado para ajudar na preservação da renda dos agricultores na fase de comercialização. Contudo, parece não estar a salvo, pois tem-se cogitado de se usar uma parcela para cobrir o subsídio no Programa de Seguro Rural, que por sinal conta com dotação insuficiente de apenas R$ 370 milhões no ano-fiscal 2019.
As principais fontes de subsídios provenientes de renúncia fiscal – prática que está no alvo da equipe econômica – são duas:
A Poupança Rural controlada, que registrou um aumento de 38% no volume de recursos aplicados no bimestre, alcançando 14,7 bilhões; e, as Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), que aplicaram no bimestre R$4,5 bilhões, com um crescimento de 16%. Se as LCas (que representam mais de 8% do total do crédito) correm risco de perderem a isenção fiscal, o mesmo não ocorre com os fundos constitucionais (que garantem 10% do total do crédito) porque contam com forte apoio político.
3 – Juros de mercado próximos dos fixados para grandes produtores
A inflação controlada e apontando para o centro da meta em 2020 (3,5%), o risco Brasil com os atuais invejáveis 114 pontos e a Reforma da Previdência aprovada (graças a lúcida cobrança da opinião pública) reforçam a expectativa de mais cortes na SELIC, com reflexo nos juros.
Além disso, cabe recordar que os encargos adicionais, o elevado spread, a burocracia e os penduricalhos (problemas antigos e que os governos nunca resolvem) acabam diminuindo a vantagem da taxa de juros tabelados. Ou seja, parte das vantagens são absorvidas ao longo dos trâmites, induzindo os grandes produtores a operar com os juros de mercado.
Tudo isso e uma retomada lenta do crescimento da economia indicam uma oferta de crédito com juros bem comportados para os bons clientes. Vale dizer, próximos dos juros controlados no crédito rural para essa faixa de agricultores.
4 – Prioridades reafirmadas: pequenos e médios produtores, armazenagem e infraestrutura
O valor emprestado no crédito de Custeio aos médios produtores, via Pronamp (juros de 6%) registrou acréscimo de 28% no valor e de 15% no número de contratos, enquanto no Pronaf (juros de 0,5% a 4,6%) os aumentos foram de 16% e 2%, respectivamente. Já no crédito para Investimentos nestes dois programas os aumentos foram maiores ainda, ou seja, a prioridade traçada está sendo alcançada, garantida por fontes específicas como a maior parte das Exigibilidades Bancárias (que respondem por 30% do crédito).
No que se refere ao segmento dos grandes produtores, observou-se uma diminuição de 9% nos financiamentos em comparação com o mesmo período na safra 2018/19.
Outras duas prioridades anunciadas por ocasião do lançamento do Plano-Safra se concretizaram. Os empréstimos para construção e reformas em armazéns e infraestrutura cresceram, respectivamente, 90% e 45%, confirmando o acerto pela SPA/MAPA no diagnóstico das necessidades dos agricultores e as condições mais favoráveis nessas linhas de financiamento.
Em síntese, a diminuição dos recursos disponíveis e a conjuntura decorrente do ajuste fiscal impôs a necessidade de uma priorização mais rigorosa e restrições na aplicação dos subsídios para o atual ano-safra, e, continuará assim, ou seja, atendendo aproximadamente 30% das necessidades do custeio da safra anual.
Quatro lições a absorver das transformações recentes:
I – O sistema de financiamento rural está se modificando, em decorrência do contexto do mercado financeiro e da economia brasileira, num cenário duradouro de imposição de gestão responsável das contas públicas;
II – O passado com recursos abundantes para subsidiar a expansão e modernização do agronegócio não voltará, a oferta não acompanhou a demanda, logo, é fundamental focar nos segmentos prioritários;
III – Reafirmação da função do Mapa nas discussões intragovernamentais e com as representações do setor sobre prioridades, formulação, implantação e avaliação de programas/ações estratégicos, coerentes com a realidade dinâmica da produção, consumo e comercialização brasileira e mundial;
IV – Clareza de que a política agrícola interfere no financiamento rural, mas tem alcance limitado diante da força do mercado e do contexto político-institucional.