O uso de biodefensivos agrícolas como estratégia de controle biológico de pragas e doenças tem potencial de crescimento anual de 20%, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Controle Biológico (ABCBio). Esses dados mostram que de 2017 para 2018 a indústria brasileira registrou 77% de expansão na comercialização dos insumos biológicos. O volume de vendas saltou de R$ 262,4 milhões para R$ 464,5 milhões.
Para a ABCBio, o principal motivo para esse aumento é a maior taxa de adoção pelos agricultores de agentes biológicos contra pragas e doenças. E, de acordo com a entidade, ainda existe grande potencial de crescimento para os biológicos. “Nota-se que havia, e ainda há, uma demanda reprimida por soluções de defesa vegetal que resultem em menor impacto em termos de resíduos, principal característica dos agentes biológicos”, declara Arnelo Nedel, presidente da ABCBio.
“A adoção do controle biológico tem sido fomentada pela crescente resistência de insetos aos inseticidas químicos e pela urgência por um uso mais racional de agrotóxicos”, analisa o pesquisador Adeney de Freitas Bueno, da Embrapa Soja (PR).
Segundo dados da Embrapa, cerca de 80% das pragas podem ser controladas pela ação dos inimigos naturais presentes na lavoura de soja, quando se adota as estratégicas preconizadas pelo Manejo Integrado de Pragas (MIP). “O que acontece é que a aplicação abusiva de inseticidas, na hora errada, com produtos muito tóxicos, acaba eliminando esse controle biológico natural”, alerta Bueno.
A Embrapa Soja é uma das unidades da Embrapa que vem conduzindo pesquisas tanto relacionadas ao controle biológico natural (incentivo à manutenção de agentes naturais no campo para controlar pragas agrícolas) quanto para controle biológico aplicado ou aumentativo (quando se libera intencionalmente predadores, parasitoides ou entomopatógenos das pragas na lavoura).
Bueno explica que, no campo, o controle natural das pragas agrícolas é feito por fungos, vírus e bactérias, além de insetos benéficos que têm o hábito de predar, parasitar ou infectar as pragas que afetam a soja. “Os inimigos naturais têm o papel de manter as populações de pragas em níveis mais equilibrados”, conta. “O produtor precisa conservar esse controle biológico natural aplicando as boas práticas agrícolas preconizadas nos manejos integrados de pragas, plantas daninhas e doenças. O uso racional dos agrotóxicos é uma das medidas para preservar esse controle biológico natural e permitir que ele mostre o seu potencial”, avalia. Assim, mesmo que o produtor não compre ou utilize nenhum biodefensivo em sua lavoura, o controle biológico irá ocorrer naturalmente.
Drones para liberar os agentes
O pesquisador conta que o controle biológico para soja foi muito usado nas décadas de 1980 e 1990 com a aplicação de baculovírus para o manejo da lagarta da soja. Atualmente, seu uso voltou com o registro de outros baculovírus para controle das lagartas helicoverpa e spodoptera, por exemplo. Também há no mercado os parasitoides de ovos de lepidopteros como a “vespinha” Trichogramma pretiosum.
“Apesar do grande mercado potencial, a liberação intencional de agentes biológicos na soja ainda é um desafio, porque faltam equipamentos que facilitem o processo de aplicação, cenário que vem aos poucos se alterando com a redução de custo no uso de drones”, explica o pesquisador.
Nesse sentido, a utilização de drones é uma alternativa para tornar mais competitivo o uso do controle biológico, assim como outros processos de mecanização na aplicação e na criação massal controlada desses agentes de controle. “Ao baratear o custo de aplicação com o uso de drones, a tecnologia vai se tornando mais competitiva”, diz o pesquisador. “Também penso que a mecanização no processo de criação e multiplicação dos agentes de controle biológico, em nível massal, pode ser incrementada e baratear o custo do produto”, destaca Bueno.
Uso da natureza
O milho tinha recém-emergido na fazenda do produtor Richard Dijkstra, de Carambeí (PR), quando foram feitas algumas aplicações de inseticidas para controlar os insetos-praga. Esse fato, ocorrido há 20 anos, levantou um sinal de alerta de que a propriedade estava em desequilíbrio. Desde então, o esforço do produtor é para construir um ambiente favorável aos inimigos naturais das pragas agrícolas em sua fazenda de 1,7 mil hectares. “Minha ideia é trabalhar a favor da natureza, porque quando você trabalha contra, as consequências se voltam contra você”, conta.
Na prática, Dijkstra vem adotando as recomendações do Manejo Integrado de Pragas. “Primeiramente, evito os ‘produtos de choque’ (que além de matar as pragas, eliminam os inimigos naturais); uso preferencialmente os produtos biológicos ou os químicos mais seletivos (aqueles que controlam apenas a praga-alvo e não todos os insetos), quando realmente necessário; e ainda elimino a aplicação ‘carona’ (quando se aproveita a pulverização de um insumo para aplicar outro)”, relata o agricultor.
A base da tomada de decisão do produtor vem do conhecimento gerado durante o monitoramento da propriedade que é conduzido por funcionários treinados para identificar o que é praga e o que é inimigo natural. “Eu não tomo decisões às cegas. Minha equipe traz informações que me garantem tranquilidade para intervir, se necessário, ou continuar monitorando”, explica o produtor.
Registro de produtos biológicos
Diferentemente dos produtos utilizados em controle químico, os biológicos podem ser registrados por alvo biológico, ou seja, por praga. Dessa forma, podem ser aplicados em qualquer cultura na qual a praga esteja presente, a não ser que haja restrições de algum órgão estadual.
Bueno explica que os inimigos naturais são multiplicados em laboratório ou casas de criação e liberados nas lavouras para atacarem as pragas. No Brasil, existem duas vias de registro de um produto: seguindo as regras gerais de registros de produtos fitossanitários ou as regras específicas para aqueles a serem usados na agricultura orgânica, onde na maioria das vezes o produto biológico vem se encaixando.
Principais agentes biológicos
A Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef) mantém um site com informações sobre a biologia de parasitoides, predadores, patógenos e antagonistas utilizados em programas de controle biológico no Brasil. Existem hoje 70 indústrias de produtos biológicos e alguns bioinseticidas registrados e disponíveis no mercado nacional. O produto mais antigo registrado é originário da bactéria Bacillus thuringiensis (“Bt aplicável”), que é usado para controle de lagartas.
Além do Bt aplicável, o uso de baculovírus é também bastante comum. Os baculovírus são vírus específicos utilizados no controle de algumas espécies de lagartas. O primeiro vírus como um produto comercial registrado para a soja foi Baculovirus anticarsia, usado para controlar a lagarta anticarsia. Depois foram introduzidos no mercado o Baculovírus spodoptera e o Baculovirus helicoverpa. Bueno explica que existem empresas que estão trabalhando na mistura de vírus, o que possibilitaria o controle de um número maior de espécies de lagartas por um custo mais baixo, deixando o baculovírus mais atrativo comercialmente. “A oferta de um produto a base de mistura de baculovírus para controlar um maior espectro de lagartas com o mesmo custo de aplicação revolucionará o mercado, porque atualmente esses inseticidas biológicos são bem específicos”, explica.
Vespinhas
Existem ainda os parasitoides de ovos conhecidos como “vespinhas”. Uma delas é o Trichogramma pretiosum, que quando liberado parasita os ovos de mariposas que dão origem às lagartas, impedindo seu desenvolvimento antes de eclodirem. E também o parasitoide de ovos de percevejos, Telenomus podisi, que está ainda em fase de registro nos órgãos competentes.
Bueno explica que ovos com essas “vespinhas” são liberados em campo muito próximo da sua emergência em cartelas biodegradáveis ou com pulverização das pupas dos parasitoides sem qualquer proteção sobre as plantas. O ideal é que o produtor distribua, da forma mais homogênea possível no campo, ou utilize um drone para distribuir os parasitoides que estão dentro dos ovos hospedeiros. “Ao nascer, os parasitoides vão fazer seu trabalho no campo: parasitar os ovos das pragas”, detalha.
Fungos
Entre os agentes biológicos utilizados estão os fungos que causam doenças em alguns insetos ou ácaros predadores. “São opções que poderão ocorrer em maior intensidade na soja, à medida que os produtos biológicos se tornarem mais competitivos comercialmente com os químicos hoje existentes”, prevê.
MIP reduziu pela metade os inseticidas na soja
O sucesso do MIP-Soja pode ser observado nos resultados do estado do Paraná. A adoção do Manejo Integrado de Pragas em propriedades assistidas pela Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do Paraná (Emater-PR) e Embrapa, nos últimos cinco anos, por exemplo, gerou uma redução de cerca de 50% no uso de inseticidas. Além disso, nas áreas que adotam o MIP, a primeira pulverização de inseticida ocorre, em média, 60 dias após o plantio. Nas áreas tradicionais, essa primeira aplicação ocorre cerca de 30 dias após o plantio. “O produtor amplia em 30 dias o prazo da primeira aplicação de inseticida, o que preserva os inimigos naturais por mais tempo no campo, melhorarando o controle biológico natural”, explica.
O Manejo Integrado também colabora com o controle biológico das pragas, porque ao usar racionalmente os fungicidas, por exemplo, também se preserva por mais tempo alguns fungos benéficos que atuam no controle de pragas.
Controle biológico do mofo-branco
O fungo Sclerotinia sclerotiorum, que promove o mofo-branco na haste da soja, também vem sendo combatido com controle biológico. Ensaios para o controle químico e biológico do mofo-branco foram realizados na safra 2018/2019 em diferentes regiões produtoras (Paraná, Minas Gerais, Bahia, Goiás, Mato Grosso) por instituições de pesquisa públicas e privadas que compõem a Rede de Avaliação de Fungicidas para Controle de Doenças na Cultura da Soja.
O pesquisador Maurício Meyer, da Embrapa Soja, reforça a importância da integração de diferentes medidas de manejo – o controle químico, o biológico e o manejo cultural – para garantir mais eficiência no combate ao mofo-branco. Segundo ele, o manejo cultural pressupõe que se faça boa cobertura do solo com gramíneas pela produção de palhada na entressafra. “A palhada funciona como filtro, evitando que os esporos responsáveis por iniciar a infecção atinjam as plantas de soja”, destaca.
Por outro lado, a palhada também favorece o controle biológico de S. sclerotiorum, que ocorre principalmente pela ação de microrganismos que parasitam e degradam as estruturas de sobrevivência do fungo no solo, reduzindo a doença nas áreas infestadas. “Os biofungicidas testados pela Rede de Avaliação inibiram a capacidade de produção de esporos do fungo, o que pode contribuir para a redução da incidência de mofo-branco.”